terça-feira, novembro 15, 2005

Precisa-se de matéria-prima para construir um País

Este texto é, pelo que me disseram, de Eduardo Prado Coelho e foi publicado no jornal “Pùblico”. Não fala sobre a Marinha Grande. Mas não somos assim tão diferentes dos outros portugueses. Talvez sejamos um pouco mais reivindicativos e mais empreendedores, porém, no essencial, não somos muito diferentes.

“A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que Sócrates não serve. E o que vier
depois de Sócrates também não servirá para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é
o Sócrates. O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria-prima de um país. Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.

Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos... e para eles mesmos. Pertenço a um país
onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não
pagar ou pagar menos impostos. Pertenço a um país onde a falta de pontualidade é um hábito. Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano.
Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos.
Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros.

Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é "muito chato ter que ler") e não há consciência nem memória política, histórica nem económica. Onde nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar a alguns.
Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser "compradas", sem se fazer qualquer exame.
Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está
sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão. Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.

Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de trânsito
para não ser multado. Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas. Não. Não. Não. Já basta.
Como "matéria-prima" de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que nosso país precisa. Esses defeitos,
essa "CHICO-ESPERTERTICE PORTUGUESA" congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos
escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente ruim,
porque todos eles são portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não em outra parte...

Fico triste. Porque, ainda que Sócrates fosse embora hoje mesmo, o próximo que o suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria-prima
defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada... Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, não
serviu Cavaco, e nem serve Sócrates, nem servirá o que vier. Qual é a alternativa? Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e
por meio do terror? Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa "outra coisa" não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados....igualmente abusados!
É muito bom ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação,
então tudo muda... Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um Messias.
Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer. Está muito claro... Somos nós que temos que mudar. Sim, creio
que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a nos acontecer: desculpamos a mediocridade de programas de televisão nefastos e francamente tolerantes com
o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez.

Agora, depois desta mensagem, francamente decidi procurar o responsável, não para castigá-lo, senão para exigir-lhe (sim, exigir-lhe) que melhore seu comportamento e que não se faça de mouco, de desentendido. Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO. AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO NOUTRO LADO.
E você, o que pensa?.... MEDITE!

Eduardo Prado Coelho - in Público

3 Comments:

Blogger Cão com Pulgas said...

São pessoas com esta perspectiva que eu gostava de ver na política. Chamem-se eles Prado Coelho, Manuel Alegre ou Observador Marinhense. Todos sabemos que isto é verdade. Em vez de estragarmos a nossa parte, devíamos preservar a nossa parte, cumprir a nossa parte e obrigar os outros à sua parte. Devíamos ter todos a nossa quota-parte de alemães, de pastores, de cães de guarda. Se vejo alguém com um Boby a cagar no passeio onde as crianças brincam, porque é que hei-de virar a cara só porque não me calhou a mim pisar o cagalhão?
Devíamos pensar mais em nós enquanto comunidade e menos enquanto pessoas. Somos ingratos, desonestos e calões de nascença. O mal de Portugal são todos aqueles que ainda não viram isto. são os portugueses.

E não adianta falarem-me de excepções, que essa conversa ninguém atura. É das maiorias que me queixo...

7:35 da tarde  
Blogger ++!++ said...

Escrito por alguém que não me interessa o nome mas cujo conteúdo me interessa lembrar todos os dias:

"Quando eu era jovem e livre, sonhava em mudar o mundo. Na maturidade,
descobri que o mundo não mudaria, então resolvi transformar o meu
pais. Depois de algum esforço, acabei por entender que isto também era
impossivel. No final dos meus anos, procurei mudar a minha familia, mas
eles continuaram a ser como eram. Agora, no leito da morte, descubro que a
minha missão teria sido mudar-me a mim mesmo. Se tivesse feito isso, eu
seria capaz de transformar a minha familia. Então, com um pouco de
sorte, esta mudança afectaria o meu pais e, quem sabe, o mundo inteiro."

PAZ

11:28 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Emboramuito bom, esse texto foi escrito originalmente por João Ubaldo Ribeiro se não me engano, um dos dois é plágio do outro...dêem uma olhada:

http://www.rochajunior.net/6_artigo_14.htm

3:54 da tarde  

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