quinta-feira, agosto 25, 2005

"Vendem-se consultas" à porta de Centro de Saúde

A pedido da Liliana, aqui vai a prova de que a sua demanda está a dar resultados. O artigo foi publicado no Diário de Leiria, de 25/08/2005.

As longas listas nas consultas de marcação prévia ou a urgência em ser consultado pelo médico de família está a custar alguns euros a munícipes da Marinha Grande. Tratando-se de um serviço público, ele não é pago, mas muitos dos utentes do Centro de Saúde local renderam-se a um 'negócio' de consultas, que vale algumas centenas de euros por mês a quem o pratica. O processo é simples: por impossibilidade, comodismo ou para não pernoitar à porta do Centro de Saúde, e a fim de conseguir uma consulta para a manhã seguinte, muitos utentes deslocam-se na véspera, a partir do entardecer, à porta daquele Centro. Há quem chegue pouco depois das 19h00. Ali, alguém os espera com um bloco e uma caneta, onde os utentes vão sendo registados um a um, até atingir o número máximo de consultas dado por cada médico de família - na maioria dos casos varia entre as três e as seis consultas, excluindo as de marcação prévia. Em troca daquele 'serviço', o utente paga em euros, para que os 'guardiães e negociantes de consultas' - chamemos-lhes assim - guardem um lugar para a marcação do 'serviço' no dia seguinte. Quem 'fecha o negócio', já sabe ou é informado, que antes das 08h00 tem de estar à porta do Centro de Saúde, a fim de integrar o lugar na 'lista de espera' para a qual pagou. Como o Diário de Leiria constatou no local, um homem e uma mulher - ao que apurámos sem grau de parentesco e vizinhos no Bairro do Camarnal - são as pessoas que se 'prestam' a pernoitar em frente ao Centro de Saúde da Marinha Grande, mas… a troco, conforme testemunhámos, de cinco euros por utente. Indignação e revolta é o sentimento dominante na maioria dos utentes que se deslocam ao local. Apesar dos protestos, muitos rendem-se ao 'negócio'. Consideram que a saúde está em primeiro lugar e pagam para ter 'direito' a uma consulta no dia seguinte. "É uma vergonha", confidenciou no local uma utente ao nosso jornal, onde o sentimento de impotência para mudar a situação quase a fazia 'pagar' pelo 'serviço'. Eram cerca das 21h15, meia hora depois de chegarmos ao Centro de Saúde. A mesma utente desabava que estava ali para conseguir duas consultas para os pais, "pessoas já de idade e com problemas de saúde". "Não os posso trazer para aqui de madrugada", afirmou desalentada, adiantando que a situação "arrasta-se há mais de um ano". Inconformada, e não querendo render-se ao pagamento de um lugar na 'lista de espera', voltou para casa na certeza que voltaria mais tarde, neste caso, de madrugada, para tentar a sua sorte. Mas, insistiu, sem ter de pagar qualquer tostão. Minutos antes, uma outra utente foi confirmar no local, e com os referidos 'guardiães' de consultas, se o seu número se mantinha o quatro (4). A resposta foi positiva e lembraram-na que o procedimento era o habitual. Neste caso não se falou em euros, mas percebemos que o 'combinado' ditava o pagamento. Não foi preciso esperar muito tempo para presenciarmos ao 'fecho' de um dos 'negócios'. Um casal abeirou-se de um dos 'guardiães e vendedores de lugares', neste caso da mulher, e não hesitou em pagar cinco euros por um lugar na malfadada 'lista'. Aliás, pretendiam duas consultas. Foi-lhes dito que não havia problema porque eram o primeiros a 'marcar' para determinado médico, mas, neste caso, o negócio cifrava-se nos 10 euros. Mais cinco por uma segunda consulta. Concordaram, na promessa de pagar metade da quantia na manhã seguinte.

Sentimento de reprovação Enquanto permanecemos no local - até cerca das 23h00 - foi comum a presença de utentes, alguns para recolher informações sobre as 'listas de espera', outros por mera curiosidade, a maioria deles residentes na zona. Não hesitam em sentar-se junto dos 'guardiães e negociantes' de consultas, com quem conversam com naturalidade sobre o 'negócio' ali praticado. Alguns não concordam, contudo, encaram a situação com naturalidade e normalidade. Há também os que regateiam o número na referida 'lista'. Nestes casos, são 'velhos conhecidos' daquele 'ponto de encontro', onde também se confraterniza e há troca de opiniões. Sobre eles recai o olhar incrédulo e repugnante de quem passa pelo local para apenas saber quais os médicos que estão escalados para o dia seguinte, informação que está afixada na porta do Centro de Saúde. Conforme chegam, afastam-se repentinamente, com um 'ar' que denota um forte sentimento de reprovação por uma realidade que rejeitam compactuar. É o caso de Liliana Santos, utente do Centro de Saúde da Marinha Grande, cidade onde reside. O facto de não conseguir uma consulta por marcação prévia para a sua médica de família, levou a utente a questionar a direcção daquela unidade de saúde sobre a funcionalidade e qualidade dos serviços prestados. Conhecedora do 'negócio' que se desenrola diariamente à frente do Centro de Saúde local, Liliana Santos manifestou o seu descontentamento, por escrito e via e-mail, ao director daquela unidade de saúde, a quem colocou algumas questões. A resposta não tardou, e no que se refere à 'venda de lugares', Francisco Amaral, director daquela unidade de saúde, respondeu que "os utentes têm sido aconselhados a não pactuar com eventuais 'vendas' de consultas, tanto mais, que tal não se justifica tendo em atenção o sistema", sublinhou aquele responsável, referindo-se à existência de "dois tipos de marcação de consulta possíveis: a programada que poderá ser feita ao longo do mês; a destinada a situações mais urgentes que é feita no próprio dia". Francisco Amaral adiantou que "a marcação de consultas por telefone, apesar da escassez de pessoal administrativo, pode e deve ser feita, sempre que possível". Liliana Santos expôs igualmente as suas preocupações aos grupos parlamentares dos partidos com assento na Assembleia da República. Do PCP, pela voz de Bernardino Soares, obteve um sinal positivo. O deputado fez um requerimento no passado dia 27 de Julho ao presidente da Assembleia da República, onde pede resposta para as preocupações suscitadas pela utente, entre as quais, sobre "o modelo organizativo da marcação de consultas".

"Não é crime" Paralelamente, o Diário de Leiria tomou conhecimento que o 'negócio' da 'venda de consultas' não é crime. Instado a prenunciar-se sobre o caso, o Comando Distrital da PSP de Leiria, pela voz do comissário Rafael Marques, esclareceu que apenas tomou conhecimento da situação esta semana, sobre a qual "dificilmente haverá matéria criminal". "Não nos parece que seja crime, mas vamos identificar as pessoas, e, quanto muito, podemos informar o tribunal sobre a situação", sustentou aquele responsável. Rafael Marques adiantou que, até à data, "ninguém se queixou" às autoridades, situação confirmada por fonte da PSP da Marinha Grande, que esclareceu também só ter tido conhecimento do caso na corrente semana.Realidade de "vários anos" O coordenador da Sub-região de Saúde de Leiria, Jorge Silva Pereira, mostrou-se surpreendido com a situação apontada, da qual, afirma, apenas tomou conhecimento recentemente, após ter sido nomeado para o cargo que ocupa, cuja publicação em Diário da República se processou há cerca de uma semana. "Há preocupação da minha parte e um certo descontentamento, porque está em causa o bom-nome da instituição", afirmou. Jorge Silva Pereira adiantou que recolheu do director do Centro de Saúde da Marinha Grande "vária informação" sobre a 'venda' de lugares para consultas, confirmando ao nosso jornal que se trata de uma "realidade verídica", a qual "é comum há vários". Segundo o mesmo responsável, "anteriormente foram feitas várias diligências no sentido de pôr cobro à situação", esclarecendo que é sua intenção "acabar" com aquela realidade. "É uma situação 'arrastada' que representa para mim um desafio para a solucionar", o que deverá acontecer a partir de Setembro, esclareceu. "Irei debruçar-me para solucionar de vez a situação, mas não posso prometer que não volte a repetir-se", salientou Jorge Silva Pereira, considerando que "há problemas sociais que podem estar associados a este tipo de problemas". Em todo o caso, o coordenador da Sub-região de Saúde de Leiria sublinha que "os utentes têm acesso imediato no SAPE, onde estão permanentemente dois médicos", pelo que, "se houver uma situação de doença aguda ou mais simples, o SAPE é uma porta aberta durante 24 horas para assistir os doentes". Ou seja, para aquele responsável "não está em causa o serviço aos utentes", sublinhando que "20 por cento das consultas são pré-marcadas, o que representa cerca de 6.000". Em todo o caso, Jorge Silva Pereira admitiu a "carência de recursos humanos" no Centro de Saúde da Marinha Grande, o que se traduz numa média de "7,3 atendimentos por hora, o que pode resultar em desfavor da qualidade". O médico confirmou ainda o "atraso entre um a dois meses" das consultas pré marcadas, sublinhando, contudo, que se trata de um problema funcional, aliado aos "utilizadores excessivos, que vão, digamos, roubar lugar aos outros", justificou. O Centro de Saúde da Marinha Grande tem 35.000 utentes, os quais são assistidos por 35 médicos, 25 enfermeiros e 33 administrativos.


In "Diário de Leiria"

6 Comments:

Blogger ++!++ said...

É uma desilusão saber que quem faz o requerimento ao Presidente da Republica não é o partido que governa a autarquia, que ainda por cima é o mesmo do PR....!!?

9:15 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Como é que a PSP da Marinha Grande nunca se apercebeu do que se passava se estão mesmo em frente e têm que lá passar praticamente em todas as rondas? Será que pensavam que as pessoas iam para lá para tomar um café e ter dois dedos de conversa desde as 19h? Sinceramente parece-me ridículo, até porque alguns dos agentes vivem na Marinha. Será que nunca precisaram de ir ao seu médico de família? Ah, saúde de ferro!

10:57 da manhã  
Blogger Unknown said...

Zé, eles sabem, mas como não é considerado crime, não podem actuar. Lê melhor o texto. ;)

1:19 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caro Ricardo
retirado do texto "situação confirmada por fonte da PSP da Marinha Grande, que esclareceu também só ter tido conhecimento do caso na corrente semana". Ou seja, eu não li mal eles "dizem" que não sabiam de nada!!!

6:13 da tarde  
Blogger ++!++ said...

O que quer dizer PSP?

4:23 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

PSP quer dizer: Policia de Segurança Pública,mas por vezes mais parece Policia de Segurança Privada!!!

2:56 da manhã  

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